Ninguém vive para sempre, todos nós cumprimos o nosso ciclo, mais longo ou mais curto, conforme a "sorte" que nos calha. Chegar a uma idade avançada significa, por norma, que cá se andou uma vida inteira, que ás vezes parecem duas ou três.
A minha avó está internada e, pelo telefonema que a minha mãe recebeu da minha tia, a situação não está favorável, ao contrário do que nos tinham dito há 3 dias.
Neste momento, tenho um misto de sentimentos dentro de mim. Ora me preparo para o que aí vem, para que quando aconteça, consiga estar capaz de apoiar a minha mãe, ora penso positivo e que ela vai superar mais esta barreira. Mas será que vale a pena? Será que o ciclo dela já terminou? Será egoísmo nosso querer que ela fique mais uns anos conosco?
No fundo, é de tudo um pouco. A qualidade de vida que ela tem já não é, de todo, a mesma, o discernimento esse já foi embora há algum tempo e neste momento sinto que ela existe mais do que vive. Na verdade ela vive, vive em nós, e sempre viverá.
Quando era pequeno, levou-me para irmos regar milho, lembro-me tão bem do pequeno motor vermelho, dos tubos e dos aspersores, das folhas do milho que cortam.
Um dia parti a televisão dos meus pais e, como castigo, fiquei dois dias sem poder ver televisão. Nesses dois dias, quando eles saíam para ir ao café, ela chamava-me para ir ver um bocadinho de televisão até eles voltarem.
Vivi dos 10 aos 21, de 1995 a 2005, com a minha avó. Por decisão própria, mas que me foi dada a escolher pelos meus pais (que se mudaram para uma rua mais abaixo). Ela era viúva praticamente desde que me lembrava de ser gente, então foi fácil decidir ficar. Embora eu já fosse autónomo, todos os dias ela se levantava à mesma hora que eu e me aquecia o leite no púcaro, e assim o fez até eu ser adolescente.
Um dia, porque tinha ser quando ela queria, fomos fazer uma capoeira. Ela fez a massa, meteu os tijolos e eu ajudei conforme ela me indicava.
Não pedi com tempo aos meus pais que me comprassem o livro Ulisses, liguei para casa do telefone do PBX, ela apanhou o autocarro, foi à papelaria, comprou o livro e foi-me levar o livro à escola, evitando que eu apanhasse falta de material.
Levou-me em excursões, enquanto eu quis ir, a vários sítios em Portugal.
Fossem 2, 3, 4 ou 5 netos ou bisnetos, podiam vir todos ao mesmo tempo que não havia qualquer problema, por ela a porta estava sempre aberta.
Quando eu vinha do treino, tinha sempre o jantar feito, e aquelas batatas fritas moles sabiam-me para a vida.
2023 está a ser um ano de reconstrução. Não de reinvenção, não de mudança, mas de reconstrução, de reafirmação do meu Eu, da minha essência básica que determina a pessoa que sou, sempre fui, dos valores que tenho e do exemplo que quero ser.
Nunca há uma altura boa para que aconteça um evento destes, mas esta é de caras a pior altura. Há coisas que sabemos perfeitamente que mais tarde ou mais cedo vão acontecer, mas não é por isso que deixam de custar.
Por isso preparo-me para o pior mas, como sempre, espero o melhor.